O Retrato de Dorian Gray, do diretor inglês Oliver Parker, é, assim como o romance homônimo de Oscar Wilde, o retrato do próprio Oscar Wilde. É um filme ao gosto inglês: denso, neblíneo, e muitas vezes errático no sentido de dar à arte um sentido que ela perde ao se tornar arte.
O caráter hedonista e (pseudo) epicurista do filme não isola, entretanto, o que o romance quis criticar no seu tempo: uma sociedade afetada e cruel com as diferenças. Em síntese, é um retrato do agora.
Diferentemente do livro, o diretor intenta cercar Dorian de gente feia, quando menos, amorfa, com o claro objetivo de destacar a beleza apolínea desse Narciso moderno, que renuncia à própria alma em nome do prazer, mas não pelo prazer.
A natureza egoísta da personagem torna todas as demais instituições bizarras, e nisso não se inclui apenas o moralismo da era vitoriana, mas a síntese do que pode existir de pior na hipocrisia que cerca o quotidiano que abominamos por ser o que é: cotidiano.
Assim como na mitologia ou na religião, permanecer jovem é antes uma maldição do que uma benção. A estranheza causada pela perpétua condição de Hebe faz de Dorian Gray um pária duplo: sua predileção homossexual (ou bi) já é um fardo assaz pesado; somada à juventude e à beleza hipnotizante, é um acinte para sociedades de quaisquer épocas. Ninguém suporta o inalcançável. Quando fingimos suportar, damos a ele o nome de admiração.
De 2009, o filme demorou para entrar em cartaz, talvez, por não querer competir com bobagens teens como Crepúsculo, cuja temática poderia se assemelhar à obra-prima de Oscar Wilde. Mas vampiros vêm de dinastias. Gray não é longevo em nada, até sua própria glória ancorada no “duplé” beleza/juventude está constantemente ameaçada pelo difícil equilíbrio entre o prazer e a culpa que até os canalhas sentem, que dirá um artista como foi seu alter ego Oscar Wilde.
Com boa fotografia e boas atuações (Colin Firth, vencedor do Oscar 2010), não chega a brilhar, mas esse é o tipo de filme em que as atuações são eclipsadas pelo enredo que abarca tudo; ao final, nem a vida nem o espectador saem ilesos da experiência que, como queria Wilde, é o nome que damos aos nossos erros.
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